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https://www.publico.pt/2016/12/16/politica/noticia/ha-quinze-anos-do-pantano-ao-pais-de-tanga-1755016

Há quinze anos, do pântano ao país de tanga

Hecatombe eleitoral autárquica do PS que motivou a demissão de António Guterres foi na noite de 16 de Dezembro de 2001. Que “pântano” era este que ainda hoje o termo se lhe cola à pele?

Em 2001, Guterres, então primeiro-ministro de um Governo sem maioria absoluta, demitiu-se na sequência de uma derrota do PS nas eleições autárquicas
Em 2001, Guterres, então primeiro-ministro de um Governo sem maioria absoluta, demitiu-se na sequência de uma derrota do PS nas eleições autárquicas

Há quinze anos, o agora secretário-geral da ONU fechava a noite eleitoral autárquica a anunciar, de forma inesperada, quase à uma da manhã, em directo na televisão, que iria pedir ao Presidente da República a sua demissão do cargo de primeiro-ministro, depois de conhecida a hecatombe dos socialistas nas urnas. António Guterres justificou a sua saída com a necessidade de evitar que o país mergulhasse no “pântano”.

Tal como a sua imagem titubeante, à porta dos Hospitais da Universidade de Coimbra, a tentar calcular 6% do PIB nacional, o termo “pântano” colou-se à pele de Guterres e talvez não tenha sido bem percebido pela opinião pública. Já a oposição aproveitou o termo para o acusar de “incapacidade de governar”, lembram Maria de Belém Roseira e Alberto Arons de Carvalho, secretário de Estado da Comunicação Social dos dois governos de Guterres.

Até certo ponto era, de facto, incapacidade – não por ignorância mas por falta de condições para governar. Com exactamente metade do Parlamento, 115 deputados, o PS conseguiu rechaçar três moções de censura, mas precisou da mão do CDS para aprovar o orçamento de 2000 e da do deputado Daniel Campelo (contra o resto do CDS) para o do ano seguinte. E não conseguia fazer passar políticas estratégicas, recorda Roseira. “Há mínimos denominadores comuns que é possível encontrar em muitas matérias e temos que estar unidos em questões de regime. Mas em muitos casos a política partidária parece que tem a cultura do futebol”, diz a ex-ministra, que acrescenta que a oposição “infernizou a vida” do Governo de Guterres. Lembra a ridicularização da “paixão pela educação”, quando foi lançada a rede do pré-escolar que hoje a direita considera essencial.

Arons de Carvalho admite que as autárquicas foram o “espelho” da crise política parlamentar e que Guterres preferiu “clarificar” a questão do poder para evitar continuar com um país “paralisado e enfraquecido”. Até porque, considera, se Guterres prolongasse a tomada de decisão, o PS ficaria “ainda mais fragilizado quando tivesse que ir às eleições”.  

As legislativas antecipadas de Março de 2002 deram a vitória ao PSD de Durão Barroso que formou um Governo de coligação com o CDS. Nesse executivo, José Luís Arnaut foi ministro-adjunto do primeiro-ministro, depois de ter sido o coordenador autárquico do PSD nas eleições de 2001. O antigo governante recorda que “havia uma grande instabilidade do Governo socialista”, já que nem o PSD nem o PCP eram parceiros do executivo. “O PS começava a estar cansado”, diz.

Apontando o “pântano” como um previsível “impasse político”, José Luís Arnaut considera que o então primeiro-ministro “teve lucidez e interpretou as eleições como os portugueses interpretaram”, mostrando que “não estava apegado ao poder”. O antigo secretário-geral do PSD lembra que a situação económica “estava complicada” por não terem sido feitas as reformas necessárias como aconteceu em Espanha, por exemplo. Daí que o discurso do pântano se tivesse transformado num outro celebrizado por Durão Barroso: “Saímos de um país do pântano para o reconhecimento de um 'país de tanga'.”

Outro ministro desse Governo de Durão Barroso, Luís Marques Mendes, também atribui a demissão de Guterres à falta de condições de governabilidade. Mas lembra que as leituras nacionais de eleições autárquicas não devem ser a regra. Para o antigo ministro dos Assuntos Parlamentares, o “pântano” existia desde que Guterres tinha sido reeleito em 1999 sem maioria parlamentar: “Não há situação mais pantanosa do que o Orçamento do Queijo Limiano”.

O cansaço e o desgaste de um executivo minoritário são também os motivos apontados por outro membro do então Governo PSD/CDS para justificar a atitude de Guterres. “O eng. António Guterres tinha perdido a mão no Governo e no partido”, afirma Nuno Magalhães, na altura secretário de Estado da Administração Interna, indicado pelo CDS. O actual líder da bancada centrista considera que o então primeiro-ministro fez uma “boa leitura” dos resultados eleitorais. Essa derrota foi compreendida por Guterres “como pessoa inteligente que é” e foi “o pretexto de que precisava”, observa Nuno Magalhães.

Esta é também a leitura do politólogo António Costa Pinto, que diz que foi uma maneira airosa de Guterres preservar algum capital para o seu futuro político – ainda que tenha acabado por preferir, até agora, uma carreira exclusivamente internacional. O “pântano” a que se referia Guterres era a soma da sua falta de capacidade de manobra parlamentar com a crise internacional que se adivinhava à porta e que exigia, disse então, “uma resposta denodada”. E o então primeiro-ministro, com Almeida Santos, Ferro Rodrigues e António Vitorino, foi explícito naquela noite: se ele passasse pelas eleições como se nada fosse, “o país cairia inevitavelmente num pântano político que minaria as relações de confiança entre governantes e governados que são indispensáveis para que Portugal possa vencer os desafios que tem pela frente”.

Costa Pinto diz que o pântano foi o “grande exemplo da extrema dificuldade do PS de formar governos maioritários à esquerda” e lembra que Guterres “encerrou o ciclo virtuoso da adesão à CEE e subsequente desenvolvimento económico e mudança social e abriu o ciclo da estagnação”, ou seja, o tal pântano que dizia querer evitar. Se evitou o pântano político, acabou por não evitar o económico. 

 

comentários:

JOÃO ALEXANDRE-ABRANTES

Pois!!!.... a história do " pântano! " de António Guterres, continua sem ter um cabal esclarecimento, que, quiçá, nem ele próprio alguma vez quis dar ou será que deu?... quando lá atrás se especulava que Guterres seria o potencial candidato às eleições presidenciais de Janeiro de 2016(coisa que ele aliás deixou alimentar até certa altura) era por demais evidente que tal nunca iria acontecer, como os tempos actuais confirmam... pelo que, não concordo com qualquer das tentativas do seu descodificar aqui expressas(na minha opinião a que mais se aproxima é de Nuno Magalhães/sic. "o eng. A.G. tinha perdido a mão no Governo e no partido"). De facto, como, manifestei sempre, Guterres demitiu-se quando se apercebeu(tarde de mais!) do seu "erro!" nos "jovens!?) que trouxe para a ribalta PS!!!!!

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publicado às 22:05



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