Sócrates e Costa: Prison Break
«o PS defende designadamente o seguinte:
(...) A garantia de proteção e defesa do titular de cargos políticos ou públicos contra a utilização abusiva de meios judiciais e de mecanismos de responsabilização como forma de pressão ou condicionamento». (Realce meu).
Esta (des)medida descarada faz lembrar a desavergonhada manobra (patética, na forma denunciada) de introdução pelos socialistas no n.º 3 do art. 30.º do Código Penal, de 2007, da expressão, salvo tratando-se da mesma vítima, que pareceu mesmo à medida da redução dos crimes de abuso sexual de crianças da Casa Pias sobre a mesma criança a um crime só (ver CM, de 11-10-2007).
Esta (des)medida do projeto de programa do PS parece desnecessariamente complexa. Importa simplificá-la e aclará-la. Como o programa está em debate público, proponho uma emenda:
«O Partido Socialista propõe o seguinte:
E ainda a sugestão da reprise de um premonitório slogan de campanha: «Costa, Sócrates e Soares, não haverá quem os detenha!».
- A libertação do Nélson Mandela do PS de José Sócrates do cárcere político de Évora;
- A aplicação pelo ex-procurador-geral Fernando Pinto Monteiro da tesoura às partes do processo que provocam gaguez aos arguidos;
- O arquivamento sumário do processo da Operação Marquês contra Sócrates, com a devolução dos milhões de «fotocópias» ao seu legítimo e excelentíssimo proprietário - e já agora a revogação do arresto dos «mil milhões de euros em imóveis» (em 18-5-2015) de Ricardo Salgado, amigo do «amigo que está em Paris» (ver CM, de 21-10-2012) e o arquivamento do processo contra este através de lei ... ordinária.
- A prisão do juiz Carlos Alexandre e do procurador Rosário Teixeira, tal como dos inspetores tributários e dos polícias envolvidos na Operação Marquês;
- A nomeação como ministra da Justiça da procuradora-geral adjunta Maria José Morgado, em cujo DIAP se arrasta há mais de três anos (!) o inquérito dos cartões de crédito rosa negro dos governos socratinos (IGCP Charge Card), aberto em fevereiro/março de 2012.
- A proibição de processos contra políticos do PS e os seus amigos.
Na parte específica da justiça tem dois pontos inteiramente dirigidos à remoção do juiz Carlos Alexandre do Tribunal Central de Instrução Criminal. Um, anuncia a possibilidade de distribuir os "actos processuais por tribunais com menor carga processual, com base em critérios objectivos e transparentes que satisfaçam as exigências do juiz natural". Se lembrarmos um dos eixos da defesa de Sócrates, os seus advogados não escreveriam melhor.
Num outro ponto, anuncia "a institucionalização de um regime de colocações e de movimentação de magistrados capaz de proporcionar a estabilidade e o desempenho de funções com o horizonte temporal necessário a uma boa gestão processual". Traduzindo: Carlos Alexandre tem mesmo de ir ao próximo concurso para desembargador e não pode continuar na 1ª instância.
E que dizer da "garantia de protecção e defesa do titular de cargos políticos ou públicos contra a utilização abusiva de meios judiciais e de mecanismos de responsabilização como forma de pressão ou condicionamento"? Se António Costa deixar passar estes e outros dislates está a atirar ao lixo tudo o que de bom fez enquanto ministro da Justiça e que não foi pouco.
Opinião
A purga que tarda
Mais parece ter sido o próprio Sócrates a escrever certas partes do programa eleitoral do PS, a partir do estabelecimento de Évora.
Alguns blogues e jornalistas mais atentos descobriram no programa eleitoral do PS uma medida — incluída num ponto intitulado “aumentar a exigência e valorizar a actividade política e o exercício de cargos públicos” — onde se escreve, preto no branco, que o PS defende “a garantia de protecção e defesa do titular de cargos políticos ou públicos contra a utilização abusiva de meios judiciais e de mecanismos de responsabilização como forma de pressão ou condicionamento.”
Num primeiro momento, ainda pensei que um dos autores do programa, farto de teclar a adiantadas horas, tivesse investido num roteiro copofónico pelo Bairro Alto e regressado ao Largo do Rato já com o pensamento entaramelado. Aquilo que ele queria realmente escrever — pensei eu, por ser a única coisa que fazia algum sentido—– era que o PS defendia os meios judiciais contra a pressão abusiva do poder político. Mas não. Apesar do português manhoso que sempre caracteriza a actividade programática, os socialistas acham mesmo que mansos e pastoris políticos andam a ser perseguidos por juízes com ferros em brasa. É que, logo a seguir, o PS também defende “a delimitação rigorosa das situações em que deva existir responsabilização financeira dos titulares de cargos políticos, reduzindo situações de discricionariedade ou incerteza”.
Ou seja, existe aqui uma convicção clara, ao ponto de ser assumida em programa eleitoral, de que a justiça portuguesa anda a traquejar injustamente os políticos, de um modo geral, e os políticos socialistas, de modo particular. Em bom rigor, trata-se de uma narrativa que já vem desde os tempos da Casa Pia. Só que, tendo em conta o histórico recente do partido e as aventuras do detido 44, esta é uma narrativa absolutamente inadmissível. Pior: é uma narrativa muitíssimo perigosa, que exige esclarecimentos imediatos. O que é que querem os socialistas dizer com aquilo? Será que, como já sugeriu Paula Teixeira da Cruz, devemos mesmo temer “uma limitação da separação de poderes” caso António Costa seja eleito?
É que o currículo do PS nesta matéria não deixa ninguém descansado, enquanto se há coisa de que não se pode acusar Passos Coelho é de ter andado a colocar obstáculos ao funcionamento da justiça. António Costa tinha uma absoluta necessidade de se distanciar do legado socrático e dos seus numerosos discípulos, e, no entanto, continua a acumular assessores e conselheiros que participaram no pior governo do pós-25 de Abril, onde pilares fundamentais de qualquer democracia, como a justiça e a comunicação social, foram atacados sem quaisquer escrúpulos. Ainda na semana passada foi noticiado que Vítor Escária, antigo assessor económico de Sócrates e um dos 12 autores do programa Uma Década para Portugal, está a ser investigado por causa da angariação de negócios para o grupo Lena.
Costa sempre fez gala, contra Seguro, de não repudiar o legado de Sócrates e, um mês depois de vencer as primárias, Ferro Rodrigues estava a elogiá-lo publicamente no Parlamento, numas declarações que deram brado. Azar dos Távoras: Sócrates foi preso 20 dias depois, e assim continua. A adopção da narrativa socrática teve de ser refreada, só que, infelizmente, o seu espírito sobrevive — porque mais parece ter sido o próprio Sócrates a escrever certas partes do programa eleitoral do PS, a partir do estabelecimento de Évora. Tempo não lhe falta — só lhe falta tudo o resto. Mas isso, pelos vistos, muitos socialistas teimam em não querer ver.
Jornalista