Primeiro-ministro revela declarações da Segurança Social e do fisco em como tem a sua situação “regularizada”. Ferro Rodrigues lamenta que não tenha pedido desculpas.
Uma pergunta pairou durante todo o debate: Por que é que Passos Coelho não pagou a sua dívida à Segurança Social assim que soube da sua existência em 2012? Na sua resposta, o primeiro-ministro trouxe ao Parlamento a única relativa novidade sobre o caso. É que nessa altura o pagamento em atraso podia ser entendido como um favorecimento pessoal, até porque o Governo estava à espera de decisões do Tribunal Constitucional sobre a convergência de pensões. Bastou a Passos Coelho insistir que pagou as dívidas e “lamentar profundamente” as suas falhas. A oposição não conseguiu capitalizar a polémica.
Passos Coelho vinha preparado para o debate. Abordou o caso logo na intervenção inicial e trazia consigo dois documentos para se apresentar ao Parlamento como um cidadão limpo de dívidas perante o Estado. Fez mesmo questão de distribuir duas declarações, da Segurança Social e da Autoridade Tributária, que davam a sua situação como “regularizada”. Esta expressão foi, aliás, repetida pelo próprio primeiro-ministro ao longo do debate.
Nos primeiros cinco minutos da sua intervenção inicial, o chefe de Governo referiu-se aos seus atrasos no pagamento das contribuições à Segurança Social como “falhas”. E assumiu: “lamento profundamente de não ter tido conhecimento” desses pagamentos enquanto trabalhador independente nos anos 1990. “Não tenho nenhuma situação por regularizar seja em matéria fiscal ou de Segurança Social”, reiterou.
As desculpas ensaiadas por Passos Coelho – que viria a repetir no debate – não foram suficientes para o líder parlamentar do PS. “Fez mal ao não ter aproveitado para pedir desculpa a Portugal, aos seus eleitores, aos portugueses”, atirou. Ferro Rodrigues acusou então o primeiro-ministro de ser o "responsável pelo empobrecimento dos portugueses" em 2013 e 2014, perguntando o que tinha Passos Coelho a dizer, quando foi precisamente nesses anos que optou por não regularizar as dívidas à Segurança Social, quando já tinha conhecimento delas.
Depois de reiterar que a sua situação está regularizada, o primeiro-ministro defendeu não ter pago logo a dívida para não gerar o “equívoco” de obter benefícios. “O facto de ter dito que não queria que me fossem apontados benefícios pessoais pelo facto de ser primeiro-ministro resulta da discussão que se travou e que, na realidade, comprovou esse risco. Não queria deixar qualquer dúvida sobre o facto de o fazer [regularização da dívida] enquanto primeiro-ministro estaria ou não a atribuir um benefício, porque a contribuição é não só um dever mas também um direito contributivo”, disse.
PM não tem "condições"
O antigo ministro socialista da Segurança Social, que assumiu “dominar” esta área, pôs em dúvida um dos argumentos de Passos Coelho para justificar a dívida enquanto trabalhador independente – o de que não sabia que era preciso pagar nessa qualidade. Ferro Rodrigues lembrou que, na mesma altura, havia “700 mil recibos verdes que pagavam a sua contribuição para a Segurança Social” e que “não tinham sido deputados”. Passos contrapôs: “Diz me que havia muitos que pagavam e eu digo que havia muitos outros que não tinham conhecimento”.
Por considerar que as dívidas à Segurança Social são um problema “ético e político”, o líder do PCP confrontou o primeiro-ministro com “dois pesos e duas medidas” ao alegar razões para falhar pagamentos que nega ao comum dos portugueses. Jerónimo de Sousa questionou o primeiro-ministro sobre o período a que respeitava a sua dívida à Segurança Social e quais foram as empresas para as quais Passos Coelho trabalhou durante 1999 e 2004 (período da ausência de pagamento das contribuições), mas as perguntas ficaram por responder.
A coordenadora do BE, Catarina Martins, viria a insistir na pergunta sobre o motivo que levou Passos Coelho a não pagar a dívida em 2012 e apenas fazê-lo no mês passado. “Já era primeiro-ministro, soube da dívida e continuou sem pagar”, afirmou a bloquista, que foi a primeira a retirar consequências políticas do caso. “É um convite público ao não cumprimento das mais básicas obrigações dos portugueses. [O primeiro-ministro] Não tem condições políticas objectivas para ocupar o seu cargo”, rematou.
Catarina Martins não aceitou as justificações do primeiro-ministro e acusou-o de ter pago a dívida em atraso, mesmo já prescrita, com vista a obter um benefício pessoal: “Comprou anos de reforma, mas não foi solidário com reformas actuais”.
A deputada d'Os Verdes também mostrou um cartão vermelho ao primeiro-ministro por ter decidido só agora pagar a dívida quando já tinha consciência da falha desde 2012. “Entretanto, enquanto primeiro-ministro, pregava ao país a desgraça da sustentabilidade da Segurança Social, infernizava a vida dos portugueses, aumentando a idade da reforma, com cortes brutais nos apoios sociais”, apontou Heloísa Apolónia. E ironizou com o argumento de Passos Coelho: “Entendeu não pagar, não fosse tal coisa ser entendida como um favorecimento. O não pagamento por parte dos outros é um estrago para o país, o não pagamento por parte do primeiro-ministro é uma forma de não favorecimento pessoal”.
"Metes nojo ao povo"
As bancadas da maioria não fugiram ao tema do debate, mas deixando a nota de que o assunto está encerrado. Luís Montenegro, líder da bancada do PSD, afirmou a “confiança plena do Parlamento no primeiro-ministro” e destacou os esclarecimentos prestados. “O Parlamento cumpriu a nossa função de escrutínio, por nós o caso está encerrado”, afirmou.
Tendo atrás de si uma bancada muito mais discreta nos apoios ao primeiro-ministro, Nuno Magalhães, do CDS, remeteu responsabilidades na falta de cobrança das contribuições para a Segurança Social para o anterior governo socialista. “Não houve tratamento diferenciado [do primeiro-ministro]. O que tinha para regularizar, regularizou, pagando as multas como a lei prevê”, afirmou o líder da bancada do CDS.
As dívidas à Segurança Social de milhares de trabalhadores independentes acabaram prescritas “por incúria e incompetência” do PS, disse, dando o assunto como “encerrado”. Passos Coelho não atacou os socialistas directamente mas elogiou o actual Governo que “não deixou que houvesse prescrição em matéria contributiva”. E aproveitou a resposta ao CDS para dizer que “a autoridade do primeiro-ministro não é beliscada”.
Mas houve quem discordasse do primeiro-ministro. Ferro Rodrigues fez nos corredores o que lhe faltou no hemiciclo. Em jeito de balanço, concluiu que a “autoridade democrática, credibilidade e confiança” do primeiro-ministro tinham ficado “francamente atingidas”. Durante o debate, a partir das galerias voltou a assistir-se a mais dois protestos. “Demissão” e “Metes nojo ao povo” doram as frases que levaram à retirada de oito pessoas que assistiam ao debate. Minutos depois seriam acompanhados por mais um cidadão que gritou “essa mudança é um conto para crianças”, depois do primeiro-ministro ter encerrado o debate garantindo já ver os sinais de “mudança na economia portuguesa”.
Comentários:
JOÃO ALEXANDRE-ABRANTES
Aposentado , Abrantes